A corrida do dólar e o risco de inflação

A corrida do dólar e o risco de inflação

Bandeira EUA e BrasilO impacto de uma desvalorização de 10% do real em relação ao dólar é limitado a pouco mais de 0,4 ponto percentual nos índices de inflação nos três meses subsequentes, diz estudo feito para a Fiesp pela Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo. O impacto pode, porém, chegar próximo a um ponto percentual em seis meses e passar disso em nove meses, se não houver compensação das políticas macroeconômicas.
Pelo menos uma grande corretora calcula em aproximadamente 0,55 ponto percentual o impacto da desvalorização do real nos três primeiros trimestres de 2013 sobre os índices de inflação neste ano.
“O que importa é o impacto de curto prazo, que pode ser medido com maior precisão; as projeções de mais longo prazo não captam mudanças importantes de preços relativos”, diz o diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Roberto Giannetti da Fonseca. Ele defende que o governo atue apenas para conter as oscilações bruscas da taxa de câmbio e reduza gradualmente as intervenções no mercado de câmbio contra a valorização do dólar.
É inadiável uma revisão do sistema tributário brasileiro
Empresários temem que, logo agora que a redução dos preços brasileiros em dólar parecia trazer uma injeção de competitividade às exportações nacionais, o medo de inflação aborte o processo de desvalorização do real. O repasse do câmbio aos preços, “pass-through” no jargão dos economistas, levou o Banco Central a intervir no mercado futuro e fez o governo desmontar, neste ano, parte das barreiras levantadas à entrada de dólares após a emergência da crise financeira internacional.
O mau desempenho da economia brasileira – baixos crescimento e investimento, inflação alta, dúvidas sobre as contas públicas – e o fim iminente da política de emissão de dólares por parte do governo americano chegaram a levar o dólar a uma valorização recorde em agosto, de mais de 19%, quando a unidade da moeda americana chegou a R$ 2,45. Desde então, porém, a cotação caiu, com a ação do Banco Central e as repercussões da decisão da autoridade monetária americana de manter por mais tempo a política de “afrouxamento monetário” nos EUA.
Para o ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior e ex-diretor do BC Emílio Garófalo, hoje do banco Ourinvest, só as sucessivas intervenções do BC impedem que o dólar supere a marca dos R$ 2,40. Ele concorda com Giannetti na avaliação de que a elevação gradual do câmbio com o dólar teria efeitos controláveis sobre a inflação.
Giannetti reconhece que a elevação do dólar para além de R$ 2,30 ou R$ 2,40 gera conflitos dentro da própria indústria, que, nos últimos anos, aumentou velozmente a parcela importada na composição de seus produtos. Para multinacionais que trouxeram dólares ao país para investimentos, a rápida desvalorização deprecia seus ativos, engolindo receitas e lucros.
Para a economia brasileira, porém, o ideal seria chegar à cotação do dólar no patamar entre R$ 2,40 e R$ 2,50, que estimularia exportações e deveria reduzir gastos em moeda estrangeira, contendo a expansão do déficit externo, argumenta Giannetti. O ajuste gradual da taxa de câmbio daria tempo às empresas para se ajustar a um patamar para a moeda brasileira mais adequado à situação de competitividade do país, acredita. A pressa com que o governo retirou o IOF sobre entrada de capitais, criado para lidar com a extrema volatilidade do mercado de câmbio, foi um passo na direção contrária à desejável, diz ele.
Cautela é fundamental. A mudança de perfil das indústrias faz com que alguns setores hoje importem muito mais que exportam, como comprovou o indicador conhecido como coeficiente de exportação líquida, da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O índice, que mede a relação entre o valor exportado e o custo com insumos importados, é negativo para setores que têm aumento de custos maior que o ganho com exportações, em caso de desvalorização do real. Esse indicador, para o setor e informática, eletrônicos e óticos, chegou, em 2012, a -55,5%. É de -7% para o setor de produtos químicos, quase 10% para os farmoquímicos e farmacêuticos e de -4% para o setor automotivo.
Setores como o de máquinas e equipamentos, outros equipamentos de transporte, celulose e papel, calçados e alimentos e bebidas são os mais favorecidos com uma elevação na cotação do dólar, com coeficientes líquidos de exportação que superaram 8% ou até 16%. Responsável pelos indicadores, o gerente-executivo de pesquisa e competitividade da CNI, Renato da Fonseca, comenta que, pelo menos na indústria, a forte competição dos importados limita o repasse aos preços. “O câmbio facilita, mas não elimina a competição”, comenta.
Desde 2011, os indicadores da CNI mostram que a indústria vinha reajustando seus preços sistematicamente abaixo do aumento de custos, o que mudou em 2013, quando os preços manufaturados passaram a subir bem mais que os custos industriais, numa indicação de que as empresas têm recuperado a margem de lucro. Não é possível, porém, atribuir toda essa recuperação à maior proteção contra importados conferida pelo dólar mais caro.
Dólar mais caro, somente, não basta. Mesmo os defensores da correção do câmbio afirmam que a valorização do dólar não pode ser vista como panaceia para a falta de competitividade da indústria. Outras medidas são inadiáveis, como uma revisão severa do kafkiano sistema tributário brasileiro. Fonte: Valor Econômico