Economia frágil no Brasil resulta do cenário externo?

Economia frágil no Brasil resulta do cenário externo?

Investimentos no ExeriorEconomia frágil no Brasil resulta do cenário externo?
SIM
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Tediosa reiteração
Fatores externos vs. fatores internos. Essa dicotomia não parece adequada para avaliar o ambiente econômico em que tentamos sobreviver.
O mundo de hoje foi construído pela relação entre quatro processos complementares: 1) a liberalização financeira que, desde os anos 80, submeteu os países às peripécias da movimentação desimpedida do capital-dinheiro; 2) o movimento da grande empresa manufatureira transnacional para ocupar espaços “competitivos”; 3) a centralização do controle do capital financeiro e produtivo à escala global; 4) as políticas dos Estados soberanos que buscavam empreender estratégias de desenvolvimento.
Tais condições “externas” colocaram o Brasil e sua dotação de recursos naturais –água, energia, terras agriculturáveis, base mineral– em posição simultaneamente promissora e perigosa.
A situação internacional benigna dos primeiros anos do terceiro milênio associou os preços das commodities ao influxo de capitais atraídos pelos diferenciais de juros e expectativas de valorização continuada do câmbio.
O câmbio valorizado, os juros de agiota, as tarifas caras dos insumos de uso geral e a carga tributária onerosa já maltratavam a indústria, mas os padecimentos foram compensados pelo crescimento do comércio internacional e pelos bons ventos da demanda doméstica, impulsionada pelas políticas sociais, sobretudo pelos reajustes do salário mínimo.
A bonança perdurou até 2008. O Brasil condescendeu, no entanto, com perda de competitividade de sua indústria de transformação. Foi generalizada a progressão dos deficit comerciais na maioria dos setores industriais.
Em 2006, o saldo da indústria ainda era positivo: US$ 29,8 bilhões. Já em 2013, o resultado alcançaria valor negativo de US$ 59,7 bilhões.
Depois da rápida e eficaz reação à crise, a liquidez internacional abundante da “guerra de moedas” deu novo fôlego à valorização cambial. Nesse momento, o governo tentou ajustar os juros e promover uma prudente desvalorização cambial, mas foi obstado pelo “pessimismo” dos mercados que faziam previsões catastróficas a respeito da inflação e clamavam por um superavit primário mais elevado, ameaçando com saltos na curva de juros.
Os ditos “emergentes” de moeda não conversível estão sujeitos às “paradas súbitas”. Em sua tediosa reiteração, esses fenômenos castigam os países que entregam o destino da economia nacional aos caprichos e humores da finança.
Até o mundo mineral sabe que os movimentos de capitais dos países desenvolvidos para os emergentes são e sempre foram pró-cíclicos, para desgosto dos que creem em modelos mais tolos do que inúteis.
Tal é a configuração das relações entre os fatores internos e externos. Desconfio que envolvam relações de poder. Esse arranjo, ao golpear a indústria, dedica-se a produzir a fragilização estrutural da economia brasileira.
Percorremos o caminho inverso dos chineses, que abriram a economia para as importações redutoras de custos e mantiveram o controle do câmbio e do crédito. A abertura às importações e ao investimento estrangeiro estava, portanto, comprometida com os ganhos de produtividade voltados para aumento das exportações e sustentados pela graduação tecnológica.
As relações importações/exportações faziam parte das políticas industriais, ou seja, do projeto que combinava o avanço das grandes empresas nacionais, agora preparadas para crescer nos mercados globais, e a proteção do mercado interno.
NÃO
MAÍLSON DA NÓBREGA
Diagnóstico equivocado
Na feliz descrição de José Roberto Mendonça de Barros, a economia brasileira entrou em uma armadilha de baixo crescimento. O governo culpa o cenário externo, mas ele apenas acentuou os efeitos dos equívocos internos.
O país padece de um diagnóstico equivocado sobre as razões da aceleração do crescimento após a chegada do PT ao poder.
Para o governo, isso seria o resultado da expansão do consumo, motivada por políticas de redistribuição de renda, particularmente os aumentos reais do salário mínimo e o Bolsa Família.
Essas políticas têm sua justificava, mas aquele desempenho nasceu de duas bonanças que nada têm a ver com a gestão petista. Uma delas, a externa, veio da ascensão da China –que viabilizou o forte incremento das exportações de commodities– e da combinação de taxas de juros baixas e liquidez abundante nos mercados internacionais.
A bonança interna veio das reformas estruturais de governos anteriores, como a abertura da economia, o Plano Real, a privatização, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a construção do tripé da gestão macroeconômica. Uma verdadeira herança benigna.
Os ganhos de produtividade, em grande parte daí derivados, explicam mais de 80% da taxa de crescimento do período Lula.
As reformas tiveram continuidade até 2006, mas foram abandonadas com a saída de Antonio Palocci do Ministério da Fazenda.
A produtividade, motor do crescimento, começou a cair, mas a fé no diagnóstico se manteve. O ritmo de crescimento foi preservado via estímulos ao consumo, mas à custa da criação de futuros e graves desequilíbrios.
A bem sucedida ação anticíclica, via consumo, para enfrentar a crise de 2008 convenceu o governo de sua estratégia. Imaginou-se que turbinar o consumo, em especial na administração Dilma, despertaria o instinto animal dos empresários, animando-os a investir.
Ocorre que o excessivo intervencionismo estatal, as mudanças de regras, a hostilidade ao capital privado e a perda de credibilidade da política econômica minaram a confiança. Sem esta, o investimento arrefece. A resposta à falta de reação do empresariado foi a avalanche de crédito subsidiado do BNDES, o que expandiu a dívida pública, e piorou a transparência e a credibilidade da política fiscal. Contribuiu pouco para o investimento.
O aumento do consumo beneficiou mais o setor de serviços, que foi capaz de conceder ganhos salariais acima da produtividade, pois podia repassar os custos aos preços (não se submete à concorrência externa). Daí vieram fortes pressões inflacionárias.
A indústria, ao contrário, viu subir o custo unitário do trabalho, o que fez cair sua competitividade. Esta foi ainda mais reduzida por pioras na infraestrutura, na logística e no sistema tributário. Grande parte da expansão do consumo se transformou em importação de bens, o que diminuiu drasticamente o superavit comercial e piorou o deficit externo. A desindustrialização avançou rapidamente.
A bonança interna se esgotou. A bonança externa diminuiu diante do menor crescimento da China e, do lado financeiro, com a mudança da política monetária americana, fruto da recuperação da economia.
O Brasil ganha com a recuperação, mas no curto prazo ela pressiona a taxa de câmbio e eleva o custo do crédito externo. Dada a frouxa política fiscal, será preciso elevar a taxa de juros, o que reduz o ritmo da atividade econômica, já em si prejudicada pela baixa produtividade.
A fragilidade da economia brasileira pouco tem a ver com o cenário externo. 
Fonte: Folha de S.Paulo-08.02